Maio de 2024 ficou marcado na história dos gaúchos. A tragédia climática que assola o Estado iniciou ainda em abril, mas o auge dos estragos foram desencadeados no mês depois, atingindo 95% dos municípios e mais de dois milhões de pessoas.
Passado um mês desde que tudo começou, meio milhão de gaúchos continuam desalojados, 45 mil vivendo em abrigos e 12,5 mil animais foram resgatados. Levantamento mais recente ainda aponta 169 mortes e 44 pessoas desaparecidas.
Desde o dia 25 de abril, o Rio Grande do Sul vinha sofrendo com chuvas fortes em regiões isoladas, mas quando o primeiro alerta de inundação foi emitido pela Defesa Civil, no dia 29 daquele mês, não se imaginava o que viria pela frente.
O solo encharcado e a precipitação incessante começaram a desenhar um cenário preocupante, com o nível dos rios subindo e cidades começando a registrar os primeiros estragos.
Neste mesmo 29 de abril, o município de Sinimbu, na região central do Estado, ficou completamente ilhado, sem luz e com dificuldade no sinal de internet.
Diversas pontes que ligam o município às áreas rurais e outras cidades foram destruídas, ao mesmo tempo, em que vias alternativas ficam bloqueadas por desmoronamentos de terra.
No dia seguinte, em 30 de abril, o Governo do Estado confirmou as primeiras mortes em decorrência da tragédia. Desde então, o poder executivo publica, diariamente, boletins com informações que dão a dimensão dos estragos causados pela enchente.
Primeiros óbitos ocorrem na Região Central do RSAs primeiras mortes foram confirmadas em 30 de abril, em quatro cidades do interior do Estado.
Em Paverama, dois homens morreram após o carro em que estavam ter sido arrastado pela força da água. Em Pantano Grande, Nercio Giovane Silveira Farias, de 60 anos, sofreu uma descarga elétrica enquanto tentava desligar um disjuntor de energia.
Em Encantado, o corpo de uma mulher foi encontrado já sem vida. Em Santa Maria, uma idosa de 85 anos foi soterrada por um deslizamento de terra. Neste momento, 18 pessoas já eram consideradas desaparecidas.
No dia 1º de maio, o Governo do Rio Grande do Sul decretou estado de calamidade pública, considerando a intensidade dos eventos registrados até então, classificados como desastres de nível III.
Nas redes sociais, a imagem de uma mulher sendo arrastada pela correnteza do Rio Pardo, em Candelária, viralizou. Ela foi resgatada com vida por um morador.
No dia seguinte, o Rio Taquari atingiu o maior nível de toda história, ultrapassando os 31,2 metros. Diversas cidades, que ainda se recuperavam da tragédia de setembro do ano anterior, foram novamente afetadas pela força da natureza.
Cruzeiro do Sul, Estrela e Lajeado foram alguns dos municípios atingidos. A Defesa Civil orientou, naquele dia, que todo Vale do Taquari fosse evacuado. A barragem 14 de Julho, entre Bento Gonçalves e Cotiporã, foi a primeira a registrar rompimento parcial.
O lago Guaíba ultrapassou a cota de inundação no dia 3 de maio, quando os primeiros pontos de alagamento começaram a ser registrados em Porto Alegre.
Acima dos 3 metros de altura, a rodoviária da cidade ficou submersa, ruas da região central começaram a ser invadidas, moradores das zonas norte e sul começaram a perceber a anormalidade do fenômeno.
Neste mesmo dia, o aeroporto foi fechado, provisoriamente, até o dia 31. À noite, a marca histórica de 4,76 metros foi ultrapassada. Neste ponto, o número de mortes chegava a 39 e 265 municípios tinham sido afetados.
No dia 4, o número de mortes chegou a 55, ultrapassando a tragédia registrada no ano anterior, que contabilizou 54 óbitos. Cidades da Grande Porto Alegre, como Eldorado do Sul, Guaíba e Canoas, foram duramente afetadas, em pontos que nunca antes houve relatos de alagamento.
Foi neste momento que voluntários, de diversas regiões do país, começaram a se mobilizar para auxiliar nos resgates de pessoas e animais, que ficaram ilhados e presos em cima de telhados, tentando se salvar.
O lago Guaíba atingiu 5,33 metros de altura no domingo, 5 de maio. As águas invadiram 46 bairros da cidade e afetaram a vida de, aproximadamente, 150 mil pessoas — muitas delas, ainda estão convivendo com inundações, principalmente, nas regiões sul e norte de Porto Alegre.
No dia seguinte, o aeroporto Salgado Filho teve o fechamento temporário ampliado para tempo indeterminado.
A Defesa Civil municipal recomendou a evacuação de alguns bairros, onde a previsão era de agravamento das inundações. O desligamento de uma casa de bombas, na região central, alagou regiões onde a água não havia chegado.
O prefeito Sebastião Melo recomendou que moradores que tivessem a possibilidade, viajassem para o Litoral — destino com trânsito livre. A falta de luz começou a se espalhar pela cidade e, consequentemente, a falta de água também — cinco, de seis estações de tratamento, foram desligadas. O executivo municipal decretou racionamento quando o desabastecimento hídrico atingiu 85% da cidade.
Aproveitando o momento em que os esforços das forças de segurança eram para auxiliar no resgate e acolhimento da população atingida, criminosos invadiram casas, indústrias e empresas, em diversas cidades.
Móveis e eletrodomésticos, utensílios, colchões, carros e até tratores foram furtados, deixando proprietários sem saber o que teria sido levado pela água ou por invasores.
Rondas começaram a ser realizadas para policiamento ostensivo em diversas regiões, principalmente, naquelas cidades em que já havia incidência do crime organizado, como Eldorado do Sul, São Leopoldo, Canoas e Novo Hamburgo, além da capital.
Com o agravamento das inundações e a repercussão nacional do desastre, pessoas físicas, policiais civis, federais e militares, bombeiros e resgatistas, de diferentes regiões do Brasil, se deslocaram ao Sul do país para auxiliar nos salvamentos.
Pontos de resgate e abrigos começam a ser instalados, em diversas cidades, para atender e acolher, emergencialmente, a população que ficou presa em regiões atingidas.
O Governo do Estado montou gabinetes de crise em oito cidades na Serra, Vale do Taquari, Grande Porto Alegre, Norte e Sul gaúchos. No informativo diário de 8 de maio, às 18h, chegava a cem o número de mortes nas enchentes.
Para tentar auxiliar na identificação de pessoas resgatadas, que, na maioria dos casos, deixaram seus lares apenas com a roupa do corpo, um grupo de voluntários criou a plataforma "Pessoa Perdida".
Lá, é possível cadastrar informações de pessoas ou animais que foram localizados, ou que ainda continuam desaparecidos. O programa foi desenvolvido em três dias e funciona desde a segunda semana de maio.
Ações similares ainda são realizadas nas redes sociais, tanto para reunir famílias, quanto para localizar tutores de animais resgatados que ainda vivem em abrigos.
Algumas cidades onde o acesso era inviabilizado por água ou terra, o auxílio vinha chegava pelos ares.
Em Eldorado do Sul, uma gestante precisou ser resgatada de helicóptero. Em São Jerônimo, as aeronaves arremessaram mantimentos para moradores que preferiram permanecer em suas casas.
Em Canoas, um cavalo que ficou preso em cima de um telhado gerou comoção nacional. Ele foi resgatado de barco e se recupera em um sítio na Capital gaúcha.
Não há um número preciso de quantos voluntários vieram ao estado gaúcho para auxiliar nestes trabalhos, mas o Governo do Estado contabiliza cerca de 30 mil agentes, de 14 Estados, envolvidos nos trabalhos.
O Governo do Estado planeja a reestruturação dos 473 municípios atingidos em ações de curto, médio e longo prazo, dispostas em três eixos: ações emergenciais, de reconstrução e um conjunto de medidas chamado Rio Grande do Futuro.
Desde que o estado de calamidade foi decretado, o executivo já destinou mais de R$ 650 milhões aos municípios, valor empregado em áreas como defesa civil, saúde, aluguel de maquinário, auxílio abrigamento, aluguel social e outras áreas emergenciais.
Uma chave PIX, utilizada na tragédia do Vale do Taquari, em 2023, foi reativada para arrecadar doações junto à sociedade civil e destinar às famílias atingidas — em um primeiro momento, R$ 2 mil para quem integra o Cadastro Único, compra de cobertores e, posteriormente, distribuído para auxiliar às famílias no retorno às atividades. A iniciativa já arrecadou quase R$ 80 milhões.
O Governo Federal já destinou R$ 62,5 bilhões ao Rio Grande do Sul, além de ter possibilitado a antecipação de benefícios sociais e a prorrogação do pagamento de tributos.
Programas como Auxílio Reconstrução, que fará o pagamento de R$ 5,1 mil a cada família, inclusão de vinte mil gaúchos no Bolsa Família e liberação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) são algumas das medidas. O pagamento da dívida do Estado com a União foi suspenso por três anos.
Mesmo com todos esses incentivos e recursos destinados às vítimas da maior catástrofe climática da história do Rio Grande do Sul, ainda não se sabe quanto tempo levará ou quanto custará para que tudo volte a ser como era antes.
Cidades, como Eldorado do Sul, Canoas e Lajeado estudam uma reorganização urbanística, transferindo bairros inteiros para outras regiões a fim de evitar situações futuras. Outras cidades, como Estrela, Sinimbu e Cruzeiro do Sul, precisarão ser reconstruídas, praticamente, do zero.
Fonte: ND Mais